Sempre tivemos televisão em casa.
Quando era pequena, lembro-me de
acordar sempre antes que todos e de ir à cozinha, preparar Chocapic com leite e
ir ver o Canal Panda. À tarde, aos domingos, havia sempre um ou dois filmes na
Sic e à noite, a mãe ligava a TV para ver o telejornal. Pouco mais.
Houve uma época em que eu e a
minha irmã gostávamos mais de ver televisão assim que chegávamos da escola,
principalmente as séries que davam na RTP2 antes do jantar. Tirando isto, a
televisão passava a maior parte do tempo desligada. Quando a minha mãe e eu
ficamos a morar as duas, mais ainda.
Quando entrei pela primeira vez naquela que ia ser a minha
casa, a primeira coisa que me apercebi é que o sofá estava virado para… a
janela, de onde se vê o rio que a cobre dum lado ao outro. Televisão, uma, que
não funcionava e servia de suporte para o leitor de vinis.
Simplesmente, não havia
televisão. E, simplesmente, nunca nos fez falta. E um sofá nunca fez tanto
sentido numa casa. É o lugar perfeito para tomar uma cerveja fresca enquanto o
sol se põe, o canto fiel para se estar com um livro, para se descansar do mundo
com o computador, para se estar acompanhado a conversar, a ouvir música, a
beber um copo de vinho, para se receber amigos. A sala tornou-se num espaço limpo, sem interferências, sem o nervoso
bombardeamento de imagens, cores, sons.
Eu gosto de ver televisão, não
quero fingir que não, dar a ideia de que não. Gosto da ideia de me poder
deitar, sem compromisso, e ver algo que me distraia e me desligue. Mas desde o
momento em que a deixei de ter, apercebi-me que há outras formas de o fazer e o
quão sugadora ela é. Quanto tempo nos rouba. Sim, não me rouba só a mim tempo. Rouba-nos a nós, casal, família.
Por isso fico feliz quando me
apercebo que ela não vê televisão. Ela não tem televisão. Sei que vai chegar o
momento em que ela vai ver, vai gostar, vai querer. E não a vou proibir. Mas
sei também que estou a dar-lhe um espaço aberto, livre para ela.
Ela tem um ano, logo por ai vejo
a total desnecessidade de coloca-la à frente duma televisão. E ela está numa
fase em que precisa de “correr” [neste caso, gatinhar] pela casa, explorar,
mexer, descobrir, cair, rebolar, chorar, rir, procurar-me, chamar-me, encontrar
coisas novas, brincar com a cadela, com caixas, com meias. Há tanto mundo para
ela, para quê fecha-la a uma caixa colorida? Para quê prendê-la já?
Fazemos o melhor que podemos para
dar-lhe liberdade e amor. E sei que assim eu estou disponível para ela e ela
para nós e para o mundo.
E pergunto-me, é só a falta de
televisão que dá isso? Não, mas acredito já ser um começo.
* Imagem do Pinterest