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Monday, March 30, 2015

[Águas de Março] | Musicando I

Chegaram. As [Águas de Março]. Sempre gostei desta música, mas agora, faz mais sentido que nunca. No espaço de quatro semanas atravessamos um mini-verão e, com o vento-sul, chegou
o Outono. Aqui, na ilha, o Outono é o nosso Outono. Não é o do Nordeste ou do interior. É chuvoso, escuro e frio. A esperança está em que aconteça o mesmo que o ano passado, e este outono seja assaltado por maravilhosos dias de verão que me tragam de novo o cheiro a quente e o sol.

Mas, faz parte. Com ele, começaram as aulas. Continuar o mestrado que ficou em aparente, e curto, stand-by, em Lisboa. Aulas de conversa e debate intenso, leituras atrás de leituras e eu, não só a tentar pôr-me a par, mas a tentar fazer o click que me desperte deste trabalho a tempo inteiro que tem sido estar com ela e aprender a ser mãe. Desligar-me dela (não sei se será esta palavra, porque, desligar, é, bom, impossível, mas fica a ideia) e permitir-me a mim mesma um espaço só meu, permitir-me, novamente, ao meu próprio crescimento e retornar à consciência de mim, da minha juventude, da minha vontade de viver, conhecer, experimentar. Crescer. Este é um espaço para isso. Não só para isso. Mas, nesta fase da minha vida, também para isso.

Quero retornar a mim mesma, trazendo comigo todo esta nova forma de viver e ver o mundo. Juntar as peças.

Chegaram as águas de Março. O cheiro a terra molhada. O conforto da chávena de chá. A vontade de mergulhar nos livros.

Chegaram as águas de Março e com elas a vontade de recolher [para despertar].

São as águas de Março fechando o Verão
A promessa de vida no meu coração...

Fica a música que faz de soundtrack para este momento.



Wednesday, March 25, 2015

Herberto

(No dia 23 de Março, a Isabel (re)escreve)







Hoje partiu o meu poeta...


HERBERTO HELDER  
Nasceu a 23/11/1930 e morreu  HOJE, 23 de Março 2015.


Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.

Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
- a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.

E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,
a redonda e livre harmonia do mundo.

- Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.
- E o poema faz-se contra o tempo e a carne. 

Thursday, March 19, 2015

Coisas boas (imagens de um momento)



Sestas no fresco da casa


Pão de queijo e uma "média com leite" 


Um livro na varanda


Continuar a estudar no outro lado do oceano.


Thursday, March 12, 2015

Do outro lado do mar II



10º dia no outro lado do oceano.

Quando se faz uma grande mudança de lugar há sempre uma mistura de sentimentos opostos: ou está fortemente presente no corpo e na cabeça a sensação de que já se está nesse lugar há muito tempo, sendo que, quando olhamos para trás, as  memórias do lugar que deixamos estão longe, bem longe, ou, ao mesmo tempo, a noção de que foi ontem que se chegou, de tão presos que nos sentimos por vezes àquilo que lá deixamos.

Assim me sinto, a balançar entre estes modos de estar, de sentir o que estou a viver neste momento, suavemente umas vezes, outras num verdadeiro turbilhão.

A verdade é que passaram já, ou somente, 10 dias. As saudades da outra casa apertam, principalmente sabendo-a no meio duma névoa que teima a não se ir embora. Por outro, sinto-me feliz por estar aqui, num lugar que já não me é desconhecido, permitindo-me retornar contente a ele. Sinto-me bem neste lugar. Gosto do cheiro do Brasil.

Desde pequena que viajo muito, é aquilo que mais forte trago em mim da minha infância e adolescência. O lugar para o qual mais viajei foi para aqui, para o Brasil. Percorremos a sua costa de cima a baixo de carro e depois, já só com o meu pai, adentramo-nos nas suas terras, descobrindo o Pantanal, a Amazônia, Brasília… tantos e tantos lugares. E de todos guardo uma memória em comum que se junta a esta que estou a criar desta ilha: o cheiro. É um cheiro quente, que enche as narinas de uma certa humidade, um certo fumado, um certo não-sei-o-quê que enche a alma e carrega o corpo para um “cá estamos, finalmente”.

Estou a aprender isto de viver entre cá e lá. É toda uma dinâmica para a qual só há duas formas de lidar, ou pelo menos são aquelas em que transitei: ou se complica tudo, querendo prever tudo o que poderá acontecer, aquilo que poderemos encontrar, quais as respostas a dar para certos acontecimentos, fazer 8 malas gigantes com quilos e quilos de roupas, roupa de cama, livros, objectos “para nos sentirmos em casa”, coisas, coisinhas… ou… se simplifica tudo e as malas reduzem-se a metade, as perguntas são respondidas com um “logo se vê”, as dificuldades trazidas ao de cima por outros são prontamente barradas e uma sensação de bem-estar com o que está para vir prevalece.
Claramente, a maior parte das minhas questões e dificuldades advinham do facto de irmos fazer esta viagem com um bebé. E muitas questões continuam a latejar na cabeça. No entanto, são problemas que, caso venham a se manifestar, somente terão a sua importância dentro de alguns anos. Entretanto, tentamos fazer desta experiência algo que vai ser, e já está a sê-lo, verdadeiramente bom para ela.


Espero que consigamos transmitir-lhe a paz necessária e boas experiências que continuem este crescimento feliz para ela, e para nós.

Sunday, March 8, 2015

Tertuliando II - O 2º Sexo



Na livraria Bertrand no Chiado assisti a uma conversa, moderada pela Anabela Mota Ribeiro, sobre Simone de Beauvoir o seu pensamento e os seus livros.

 A minha geração é, sem sombra de dúvida, muito marcada pela literatura francesa, enfim, pela cultura francesa em geral. Ouvíamos Brel, Reggiani e todos os outros cantores.
E líamos Sartre e Beauvoir. E Paris era o lugar de todos os desejos.

Eram os anos 70, logo após o 25 de Abril, e os livros até aí proibidos começaram a surgir...como o "Segundo Sexo" de Simone de Beauvoir.
E em 1976 li " O Segundo Sexo ". Talvez o livro-viragem, o que me transformou noutra. Ou aquele que me disse aquilo que em mim já estava inscrito e eu não sabia.

...voltei agora ao livro e fui ver os sublinhados e vejo que tornaria a sublinhar as mesmas frases:

"...o drama da mulher é esse conflito entre reivindicação fundamental de todo o sujeito que se põe sempre como essencial e as exigências de uma situação que a constitui como inessencial. Como pode realizar-se um ser humano dentro da condição feminina? Que caminhos lhe são abertos? Quais os que conduzem a um beco sem saída? Como encontrar a independência no seio da dependência? Que circunstâncias restringem a liberdade da mulher, e quais pode ela superar? São essas algumas questões fundamentais que desejaríamos elucidar. Isso quer dizer que, interessando-se pelas oportunidades dos indivíduos, não as definiremos em termos de felicidade e sim em termos de liberdade."

Ou esta de Dorothy Parker, também no mesmo livro:
" Não posso ser justa em relação aos livros que tratam da mulher como mulher...A minha ideia é que todos , homens e mulheres, o que quer que sejamos, devemos ser considerados seres humanos."

Enfim, fiz uma viagem no tempo e vejo que apesar da grande caminhada feita até aos dias de hoje, muito há ainda para fazer.
Os números são exemplares, no que à mulher diz respeito:

1/3' das mulheres com ordenados inferiores aos dos homens,
O desemprego atinge mais as mulheres,
A taxa de pobreza nas mulheres tem vindo a aumentar.

Os números da desigualdade falam por si.
Os números da violência exercida sobre as mulheres são, igualmente, assustadores.

Será que vais ter curiosidade em ler o livro? Ou os outros da mesma autora.
Estão aqui à tua espera.

Até breve

Friday, March 6, 2015

Do outro lado do mar I



3º dia em Florianópolis.
Ele retomou à sua rotina, que havia sido colocada em pause há seis meses atrás. Ela e eu, na sala de pequenos-almoços, envidraçada, rodeada de mato e calor úmido. Tomo o meu café com leite, obrigatório para iniciar o dia. Ela come pedacinhos de pão que lhe vou dando, entre investidas gatinheiras pelo espaço, experimentando esta nova sensação de liberdade que a permite ir para onde quer.
Gosto de a ver assim, sem meia no pé, com os bracinhos rechonchudos a abanar no ar de contentamento.
Hoje, quando fui buscá-la ao berço, pareceu-me maior, mais comprida, mais "senhora de si". Vai fazer um ano... Um ano que estávamos aqui, eu de barriga grande, a saltitar de sítio em sítio, preparando-me para a mudança, um pouco inconsciente, num turbilhão emocionante.
Passou um ano e retornamos, e ela tão crescida, tão ela, tão bonita.
E a ilha acolhe-nos. E a vida continua. Brilhante, bonita.

Thursday, March 5, 2015

Da partida e da chegada

Descrever a partida é tarefa quase impossível. Fica aquela dor fina que nos impede de respirar naturalmente...e a lágrima que se solta sozinha.
Olho-vos de costas a caminho da última porta, aquela que vos vai separar de mim ( de nós) pelo período de quase 6 meses. Olhas para trás mas tudo em ti já é partida.
E sorris, confiante.

Ela, que irá regressar caminhando com as suas perninhas de bebé ainda inseguro.
E tantas vivências que eu irei perder...

Este será o nosso ponto de encontro, o local das nossas conversas e dos silêncios de permeio.

De longe já chegam fotos com pernas e braços ao léu, chapéu protector, sorrisos imensos, e quase se sente o cheiro da terra.
Eu no frio, tu no calor.
Eu nas rotinas de sempre, nos lugares que habito e a que pertenço. E que também são teus.
Tu num mundo de descobertas com Isabel bebė, num universo renovado, num habitat por ti (vós) criado...
Lembraste que querias " guardar memórias"? Escrever?
Tempo de iniciar a tarefa.

Até breve